EXCLUÍDOS DO PARAÍSO
Antigamente,o mundo era pequeno e a divindade,que nos paria, estava ali mesmo à mão. Guiava o caminho e protegia os seus filhos, sob as asas do medo e do terror. Tinha sempre na algibeira as chaves do Paraíso.
A nobreza de nascer das costelas de Adão e Eva, ou da coxa de Júpiter, com capacete e tudo, foi mais tarde substituída pelo parto da vagina de uma linhagem de primatas.
O universo ganhou forma de infinito e conquistou cada vez mais espaço à dimensão humana, deixando-nos sozinhos na orfandade do silêncio, à espera de um destino imprevisível.
O centro do mundo, à medida que o grau de complexidade organizativa foi ganhando estabilidade, mandou-nos para a periferia, oferecendo-nos o equipamento da consciência, o instinto da predação e a orfandade divina.
Depois de isso tudo, o destino do Homem passou a ser determinado pela luta de classes, através da lei do mais forte. A grande massa humana iniciou a caminhada errante. Mesmo antes da denúncia de Marx, tinha sido decretado que assim seria até que a organização caótica do acaso e da necessidade transformasse toda a matéria viva em matéria inerte e a energia deixasse de poder produzir-se.
Capaz de alterar os equilíbrios da natureza e de pôr em perigo a própria existência, carregados de esperança e deslumbramento, sucumbimos ao peso sobre os ombros e tropeçamos nos calhaus da cidadania. Somos assim como somos. Sentados com o rabo no chão e o ranho a deslizar pelas
narinas chupamos o discurso como uma chupeta de bolinhas de açúcar.
Já sem esperança, espalhados por muitos lugares deste país, nomeadamente no Alentejo, muitos guerreiros veteranos descansam de todas as passadas e inglórias guerras, na situação de idosos reformados.
Encontram-se sentados em poiais, em bancos estrategicamente colocados nos cruzamentos, expostos ao olhar do novo turismo e da astúcia dos demagogos. Outras vezes, estão nos largos, lares, camas de hospital, filas de espera, casas pequenas e insalubres, apertados em espaço minguado no meio de tanta terra.
As conversas repetem-se com o cair dos dias, no calendário da solidão. Poisam, de vez em quando, o olhar no aceno de um carro que passa. Esperam a novidade que não chega. Em momentos mais brilhantes, o olhar lambe a curva das pernas em mini-saia.
“--Todas umas putas!...
--Tive boas mulheres!
Não soube aproveitar, quem gosta de mim, hoje?...
O...está doente. Teve que ir para Évora, a mulher gasta nove contos de táxi só para o ir ver. Aumentaram um conto e duzentos às reformas. Cabrões!...o Cuterres é igual ao Algravio!...”
O medo da morte, o falar das suas doenças e das dos outros, acorda a amargura de estar vivo. A monotonia das tardes cria nuvens densas que apagam as estrelas das noites. O negrume instala-se nos olhos estáticos para baloiçar na corda com que alguns desgraçados se enforcam em algum desvão.
As mulheres são mais recolhidas. Vêem-se na moldura dos postigos com as cabeças desenhadas dentro dos lenços pretos. São símbolos de corpos castigados pela aridez das planícies, do amarelo luzidio do azeite, do tanino do tinto de boa casta e de todos os estios das ceifas.
Eles e elas, são os testemunhos vivos e vencidos das batalhas que o Homem perde, na caminhada para a humanização, durante a fase aguda da LUTA, quando os joelhos sangram pelas estradas do inferno à procura do paraíso.
Todavia, os vencedores construíram leis “humanitárias” para proteger os vencidos. Por isso, alegremo-nos com a doçura da reforma mínima nacional...com o turismo senior. E, se possível, agradeçamos ao moderno deus pequenino e psicólogo por nos ensinar a engolir a dor, sem vomitar.









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