F I N I S T E R R A E
E quiseram que fosse meu
o seu deus
que por ser seu
nunca poderia ser meu
Deram-me a ler os livros que escreveram
para serem lidos por mim
com os olhos deles
África longínqua espera
tão perto espera
espera por jovens guerreiros
formados e prontos para matar
guerrilheiros
em continência
e obediência
Angola
Angola é nossa angó é óssa
ao ritmo da bota preta no alcatrão
canção de marcha sem cansaço
nas estradas a oeste de Alcanhões
ao cair do maravilhoso sol posto
sobre os alçapões das noites de
Agosto
Angola é vossa Angó é vossa óssa
Vinhedos e uvas das omnias
chão de suor e vinho escalabitano
juntam-se às águas de Albarracim
pelas veredas orladas de drupas
vermelhas de sandim
no mapa das coordenadas da morte
passaporte na errante viagem atlântica
para o crematório da juventude heróica
heróica na semântica da burguesia
católica
dominante
No desnorte patético de portugal
usurpado
cheio de medos ressentidos temores e
horrores
e toiros bravos desembravecidos
cada soldado é um espantalho de carne
gelada
que esconde suas dores e suas sedes
com cloreto de sódio e ódio
enterrado até aos joelhos na terra
encharcada
é usado pelos algozes
par servir de algoz
aos que ousaram levantar a voz
a mesma voz que ecoa do Tarrafal a
Lisboa
de Peniche pelas águas marinhas
aos areais do deserto
onde sozinho o prisioneiro torturado
é enterrado vivo e cava a caverna
o sonho e a miragem de um céu azulino
que ao domingo as banhistas distraídas
não distinguem entre os corpos
bronzeados
Ao entardecer tudo anoitece
e fenece no vale das almas caídas
O berro de guerra do capitão alarvão
embriagado e ávido de generalato
troa como um canhão aos ouvidos
cândidos dos que pensaram que a vida
não pode ser suspensa por ultimato
O mercenário viciado em comissões de
serviço
regressa encaixotado com uma tiro nos
cornos
sem ter percebido os contornos da sua
desgraça
no teatro de operações da fome e da
miséria
que faz do pobre um voluntário
suicidário
Nos labirintos fúnebres da morgue da
Estrela
amontoam-se pedaços de corpos
destroçados
estilhaçados desfilando aprumados
nos espelhos transparentes da guarda de
honra
durante as madrugadas solitárias de
auras cadentes
antes que o telegrama oficial se crave
a frio
como um sabre no coração maternal
e consagre o testemunho do cinismo
pátrio
junto ao rio no dia dez de junho
Mas na ingenuidade da idade
sem um grito nem um poema de Fernando
o menino de sua mãe morre caído
sangrando o sonho
pela areia plena da traição na
emboscada da tarde
Ciprestes verdes deixam a sombra morrer
nas vielas
dos cemitérios iluminados pelo fogo
fátuo dos mártires
mortos na luz escura dos cadáveres
fuzilados lá longe
na flor da vida
sem memória futura
Ibne Almondir - in Portugal Usurpado